Projecto ULLISSES – Contribuição de um Cidadão Surdo para o GISPLANET 2005

“Projecto ULLISSES”
GIS Transnational Project on Training and Employment for Deaf People GISPlanet – 2005 Conference, Lisbon 30 May – 2 June 2005

Daniel Brito e Cunha (Licenciado em Transportes (ISTP) e ex-Dirigente em ONG´s Portuguesas de Surdos)

Este documento apresenta uma descrição dos fins e dos meios para habilitar as pessoas surdas de vários países a poderem frequentar cursos sobre Sistemas de
Informação Geográfica com suportes Audiovisuais tipo Multimedia adaptados às formas de comunicação de Voz e em Língua Gestual dos respectivos países e/ou
regiões.
É o que se pode chamar nesta época da chamada globalização de implementar uma solução global para um problema também global : a exlusão das pessoas surdas na Sociedade da Informação Com este projecto também procuramos conceber e implementer uma estratégia conducente a possibilitar às pessoas surdas que não fiquem apenas detentoras de ferramentas de trabalho na área dos Sistemas de Informação Geográfica, mas também aptas a usar esses conhecimentos e ferramentas em actividades profissionais.
Em mente temos sobretudo o Projecto “Galileo” que prevê a criação na União Europeia de cerca de 100.000 novos empregos e achamos que essas oportunidades de
emprego também merecem ser aproveitadas pelas pessoas surdas da União Europeia.

KEYWORDS
Conferences, Seminars, Proceedings, Extended abstracts, Full papers, GIS,Internet, Applications, Technology, Global issues, Sustainability, Deafness,Deaf education, Deaf Training, Multimedia Information, Galileo Program,Sign Language.

0.APRESENTAÇÃO INTRODUTÓRIA

Elaboramos este Projecto baseados numa experiência de mais de 35 anos de militância em ONG´s Portuguesas de Surdos e de Pessoas ditas Deficientes, bem como na participação desde 1985 em Projectos, Seminários, Congressos e outros eventos organizados no âmbito de ONG´s Europeias e Internacionais de Surdos tais como o Grupo Euroaction, a União Europeia de Surdos e a Federação Mundial de Surdos.Em Dezembro de 1989 tivemos o prazer de receber em Bruxelas, das mãos da falecida Rainha Juliana da Holanda o “HELIOS Program Award” instituído pela União Europeia para o projecto “LINGEST”, um projecto inovadar dedicado à formação profissional de intérpretes de língua gestual . O projecto “LINGEST”, apoiado posteriormente pela União Europeia através do programa comunitário “HELIOS”, esteve na base de todo o trabalho posterior desenvolvido em Portugal em apoio às pessoas surdas no combate à sua exclusão social, informacional e profissional. e actualmente, em Portugal, os intérpretes de Língua Gestual já são uma classe profissional devidamente enquadrada social e profissionalmente, com muito trabalho e contínuas solicitações para apoiar as pessoas surdas no combate à referida exclusão.

E, ao mesmo tempo, temos reorientado desde 1995 a nossa actividade profissional no sector dos transportes ferroviários em Portugal para a área dos Sistemas de Informação Geográfica.

Assim, com o Projecto “ULLISSES” cujo nome homenageia o primeiro europeu ( Homem ou Deus da mitologia grega) envolvido em projectos “transnacionais” no espaço europeu conhecido, resolvemos fazer uma conectividade entre estas duas actividades dentro do mesmo espírito : a Solidariedade Humana.

1.O PROJECTO “ULLISSES” COMO UM MEIO DE COMBATE À EXCLUSÃO DAS PESSOAS SURDAS SOCIAL E PROFISSIONALMENTE.

Quando os computadores pessoais apareceram no mercado, já lá vão mais de 30 anos, todas as pessoas ouvintes desconhecedoras das realidades / dificuldades na adaptação de uma pessoa surda eram unânimes em dizer que estava ali uma coisa excelente para uma pessoa surda trabalhar.

Mas, de facto, um computador nessa altura e ainda hoje com a sua interface comunicativa que se podia visualizar num écran, com tudo o que lá aparecia na forma de imagens ou de fotos e desenhos era o que de melhor uma pessoa surda podia aspirar. Para uma pessoa surda, a visão desempenha uma dupla função, ou seja para além de usar o sentido da visão propriamente dita, também precisa de usar o mesmo sentido para as funções auditivas que estão total ou parcialmente desactivadas. Ou seja, para um surdo “ os olhos vêem as vozes”.

Mas, isso eram apenas as aparências. Com efeito, naquele tempo, quando os manuais e as linguagens comunicativas existiam e ainda existem, quase exclusivamente em Inglês isso já era um sério “handicap” para as pessoas surdas e ouvintes que não dominassem essa forma de comunicação.

E, para além disso, também havia aquilo que chamamos o nível de literacia das pessoas. È incontestável que pessoas ( surdas ou ouvintes ) com níveis de literacia baixos iriam encontrar sérias dificuldades em realizar quaisquer trabalhos com recurso a um computador.

Frequentar um Curso de Informática é sempre um ponto de partida para uma pessoa se iniciar nas Tecnologias da Informação, mas, isso é sempre um ponto de partida, não de chegada. Dominar todos os aspectos do trabalho dentro de um determinado programa de “software” exige mais do que um simples Curso. Exige sobretudo aplicação e empenho para uma subida constante na escada das competências que pode durar meses, e até anos, num processo em que a auto-formação está e estará sempre presente. Falaremos, pois, das peculiaridades gerais e específicas da formação de uma pessoa surda nas Tecnologias da Informação mais adiante.

Conhecendo como conhecendo pela nossa própria experiência as dificuldades específicas que uma pessoa surda encontra nas Sociedades para o acesso à Educação, Formação Profissional e Emprego, conceptualizamos o Projecto “ULLISSES” como um meio para as pessoas surdas não só acederem ao conhecimento das tecnologias relacionadas com os Sistemas de Infiormação Geográfica, mas também usarem esses conhecimentos na actividade profissional.

Aqui, em Portugal e noutros pontos do Mundo existem naturalmente vários casos de sucesso de pessoas surdas que usam um computador no seu emprego. Mas esse sucesso também está dependente da Organização e do Trabalho das Organizações ligadas à Educação e Formação das pessoas surdas nos vários países.

Contudo, as Tecnologias da Informação evoluem contínuamente. Apesar da amigabilidade de vários programas de “software” nestes últimos andos tem havido um crescimento enorme em qualidade, quantidade e complexidade nas Tecnologias da Informação e das Comunicações. Surgem continuamente novas ideias, conceitos e conhecimentos técnicos que, numa primeira fase estão restringidas a um grupo restrito de peritos que interveio na produção desse “software”. Depois, com o tempo esses conhecimentos vão-se alargando a outros profissionais.

Os sistemas E.R.P. ( Entreprise Resources Planning ) e os Sistemas de Informação Geográfica são dois bons exemplos do que acabamos de dizer. São sistemas vocacionados para uma utilização intensiva em meios empresariais e nos Organismos Estaduais e, ao mesmo tempo exigem um alto grau de dedicação por parte dos profissionais na sua formação / autoformação e acompanhando “pari-passu” a respectiva utilização. Mas, não é só isso, pois que, como disse Manuel Castells, neste emergir do segundo milénio as T.I. não são dissociáveis do clima organizacional numa Empresa ou outra Organização.

2. AS COMUNIDADES DE PESSOAS SURDAS NO SEGUNDO MILÉNIO. DO TRABALHO MANUAL AO TRABALHO COM AS T.I. AS DIFICULDADES, DESAFIOS E OPORTUNIDADES

Tal como aconteceu com as Sociedades dos países chamados desenvolvidos, os últimos 50 anos conheceram mudanças dramáticas quanto ao modo e ao tipo de trabalho não só dos cidadãos em geral, mas também com as pessoas surdas.

Aqui, em Portugal, ainda há uns 20 anos o trabalho manual era o que ocupava uma grande parte da população surda portuguesa afectada por surdez profunda congénita ou adquirida. Muitas dessas pessoas hoje, tem mais de 50 anos e muitas já se reformaram ou faleceram. Havia muitos artífices em trabalhos manuais com um elevado grau de profissionalismo na carpintaria, marcenaria, talha, ourivesaria e no trabalho em aço e outros metais.

Actualmente, e seguindo as tendências gerais da Sociedade, muitas das pessoas surdas das novas gerações preferem trabalhar no Sector Terciário e de preferência com um computador. Mas trabalhar com um computador é uma coisa, e saber executar bem certas operações com um computador é outra. Tudo depende não só da capacidade de formação e auto – formação da pessoa ( surda ou ouvinte ) mas também dos apoios devidamente organizados por Escolas de Formação Especial de Surdos, das Empresas e do próprio Estado.

Contudo, constatamos que nos últimos dez anos tem aparecido no mercado aplicações informáticas novas que são importantes e úteis para aumentar a eficiência e produtividade de Empresas e outras Organizações, mas, com uma complexidade tal, que hoje, comparando estas aplicações como o Word, Excel e outras, estas mais parecem brincadeiras de garotos.

Tudo isso, e para que com essas novas aplicações sejam dadas oportunidades de trabalho ás pessoas surdas, são criadas novas exigências quanto à estratégia e aos recursos operacionais na formação dessas pessoas. È um caminho não isento de dificuldades e às, vezes de acidentes de percurso, mas nós consideramos com a nossa própria experiência, como possível.

As próprias T.I. com a produção de conteúdos multimédia abrem enormes e consideráveis oportunidades. Mas tal como ainda aconteceu no passado recente, as oportunidades existentes na altura não foram aproveitadas em vários países devido à ausência de estratégias, de programas e de objectivos bem definidos para os quais se pudessem alocar os recursos existentes.

3. O CONCEITO DE “SITUAÇÃO COMUNICATIVA DIFERENCIADA” COMO BASE PARA A ESTRUTURA DO PROJECTO “ULLISSES.

Cada pessoa surda é um caso individual. Há pessoas surdas que tem uma capacidade bem desenvolvida para lerem e interpretarem textos escritos, enquanto que outras possuem maior competência no uso de uma Língua Gestual. Mas, também há pessoas surdas com capacidade comunicativa bilingue, ou seja, com competência na comunicação por voz de uma Língua e, ao mesmo tempo, com capacidade em comunicarem numa Língua Gestual. Assim, podemos estabelecer o chamado conceito de “Situação comunicativa diferenciada” para uma pessoa surda e utilizar na comunicação e transmissão de conhecimentos teóricos e práticos uma combinação dos recursos mais adequados á “Situação comunicativa” dessa pessoa como é no caso vertente o Projecto “ULLISSES”.

O Projecto “ULLISSES” vai pois, usar uma convergência dos modos comunicativos, de voz, por texto escrito e com recurso à Linguagem Gestual e através da produção multimédia de conteúdos criar manuais digitais interactivos para habilitar uma pessoa surda a trabalhar em rede. Esses manuais digitais interactivos terão duas partes a saber:

Esses manuais digitais interactivos terão duas partes a saber:

. Parte Fixa Contendo aquilo que se pode designar como o background. É uma parte de conteúdo constante para todos os alunos, independentemente da sua nacionalidade, ou da Comunicação de Texto, Voz, ou em Sign Language usada.

. Parte Móvel. Em que o Intérprete de Língua Gestual e o Texto escrito variam consoante os públicos que acedem à informação.

Estas peculiaridades podem exemplificar-se através das imagens seguintes.

Outro ponto a considerar nos currículos formativos, deverá considerar as exigências dos postos de trabalho.

Podemos conceptualizar uma Organização em níveis organizados segundo as 3 posições fundamentais descritas por Manuel Castells:

. Os trabalhadores da Rede, ou seja, os trabalhadores que estabelecem ligações por sua própria iniciativa ( por exemplo, fazendo ligar a Engenharia com outros departamentos de outras empresas) e que navegam pelas rotas da Empresa em rede;

. Os trabalhadores em Rede, ou seja, trabalhadores que estão “on line”, mas que não decidem quando, como, porquê ou com quem;

. Os trabalhadores desconectados, presos às suas tarefas específicas, definidas por instruções unilaterais não interactivas.

Assim, torna-se evidente que através do Projecto “ULLISSES” poderemos atribuir às pessoas surdas competências para, consoante a sua formação académica ou ao nível da escola secundária trabalharem dentro dos níveis atrás mencionados.

Mas, será necessário que todas tenham formação em Geografia ao nível da Escola Secundária, e outras competências base para esta área de actividade.

Também será importante enquadrar neste Projecto pessoas que já possuam formação ou experiência profissional na área da Tecnologia CAD.

Pensamos que este projecto também poderá ser desenvolvido a acompanhar o Programa “GALILEU”.

Pelas informações difundidas pelos Media, o referido Projecto irá criar cerca de 100.000 novos empregos tanto directos, como indirectos em todo o espaço da União Europeia. E, por conseguinte, não podemos deixar que as pessoas surdas da U.E. se vejam excluídas na participação nas actividades criadas por este Programa.Não conhecemos em detalhe a chamada “Agenda de Lisboa” aprovada pela União Europeia em 2000, mas presumimos que não deixou de se referir à necessidade de evitar a info-exclusão de certos grupos de cidadãos como as pessoas surdas.

4. A ESTRUTURA ORGANIZATIVA PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJECTO

Como já dissemos, o Projecto “ULLISSES” é um Projecto de natureza global, para uma Sociedade que, segundo se augura, tende a ser global. Numa primeira fase poderá englobar os Estados Unidos da América e alguns países europeus. Não poderá ser de outro modo pois que só assim poderá abranger um número significativo de pessoas surdas que, só para o espaço da União Europeia poderá abranger entre 2.500-5.000 pessoas estando naquilo que, como já dissemos, são situações comunicativas diferenciadas não só no modo de recepção da informação como também no modo de emissão da mesma.

Se considerássemos apenas a população alvo para este Projecto como os surdos portugueses, os rácios benefícios/custos seriam bastante baixos e o mesmo será válido para a outros países europeus com uma população idêntica ou inferior à portuguesa. Em causa está o Ensino Especial de Surdos na União Europeia que carece de profundas reformas, mas que, infelizmente não se tem concretizado por falta de vontade política dos governos nacionais.

Considerando, por conseguinte, o carácter transnacional do Projecto pensamos que será indispensável conceber e implementar um estrutura organizativa como a que sugerimos em baixo.

Naturalmente que será preciso obter o apoio de Organizações públicas e privadas para o efeito, e destas destacamos.

  • Empresas produtoras de software para Sistemas de Informação Geográfica
    e de Sistemas Multimédia.
  • Organizações Não Governamentais tais como Associações de Surdos e de
    Intérpretes de Língua Gestual.
  • Escolas de Formação Profissional.
  • Empresas de Telecomunicações.

A abordagem destas Organizações para o fim em vista, deve contudo, ser realizada com prudência e só depois de se ter conhecimento prévio das respectivas capacidades para colaborarem nesta iniciativa.

Naturalmente que deverá haver duas estratégias, uma a nível global e outra direccionada para cada país ou região considerando as peculiaridades
culturais e sociais dos mesmos.O papel do Estado dependerá do que o mesmo é em cada País.

5. O PLANO OPERACIONAL

O plano operacional para a produção dos conteúdos multimédia disseminados depois através da Internet tem uma base bastante simples como se poderá ver nas imagens anexas.

Exemplo para o Módulo Formativo em Português

Exemplo para o Módulo Formativo em Inglês

REFERENCES

  1. Brito e Cunha,Daniel – “Curso Surdez & Comunicabilidade”.Relatório de um Curso para Agentes das Forças de Segurança.Edição da Associação Pessoas & Tecnologias na Inserção Social. Almada,Portugal, 2003
  2. Brito e Cunha,Daniel – “IPPAR – Curso de Manutenção e Gestão do Património Construído” . Uma experiência sobre o apoio de Intérpretes de Língua Gestual em Cursos de nível Universitário. Edição da Associação Pessoas & Tecnologias na Inserção Social. Almada,Portugal, 2000.
  3. Brito e Cunha,Daniel.- Monitorização da Legendagem de Telenovelas para Pessoas Surdas transmitidas pela Cadeia Televisiva SIC – Edição da Associação Pessoas & Tecnologias na Inserção Social. Almada,Portugal, 2004.
  4. Brito e Cunha,Daniel – Projecto “LINGEST” – Curso de Formação de Intérpretes de Língua Gestual. Um Projecto premiado em 1989 pela União Europeia com o “ HELIOS Award” Program.Edição da Associação Pessoas & Tecnologias na Inserção Social.Almada, Portugal,1999.
  5. Castells, Manuel. “ A Sociedade em Rede”, Pag. 320. Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002.

AUTHOR INFORMATION
Daniel Brito e Cunha
britoecunha@sapo.pt
APTEC- Associação
Pessoas & Tecnologias
na Inserção SocialAPTEC

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A Associação de Surdos do Porto (ASP), sendo uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), mantém os mesmos objetivos desde a sua criação, que é defender os Direitos das Pessoas Surdas para que fiquem em pé de igualdade dos demais cidadãos, bem como zelar pelos seus deveres.

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