Uma abordagem Jurídica
por HELENA PEREIRA DE MELO
Introdução
“Quando a Bárbara nasceu, passados três dias, comecei a ter um pressentimento estranho relativamente a ela. Comecei a interrogar-me se seria surda ou ouvinte. Ainda estava no hospital (…). Resolvi pegar-lhe ao colo e fazer uma experiência: segurei numa colher e larguei-a sobre o tabuleiro das refeições, que era de metal. Eu não queria acreditar! Estava mesmo aborrecida. Repeti novamente o acto, simplesmente porque não podia acreditar. Fi-Io uma terceira vez. Pensei: Oh, Meu Deus, ela é ouvinte! O que é que vou fazer! Tenho uma filha ouvinte! O meu marido chegou e eu disse-lhe, Valha-nos Deus, a nossa filha é ouvinte! Ele ficou igualmente surpreendido, mas disse-me que não tinha importância, que tudo iria correr bem. Sou a terceira geração surda. Nunca tinha posto em causa que iríamos ter filhos surdos. Agora descubro que a minha filha é ouvinte. Como vou cuidar dela? Nem sei como hei-de comunicar com ela!.3
Do outro lado do espelho encontramos os casais norte-americanos que pretendem recorrer à interrupção voluntária da gravidez com fundamento no facto de o feto ser portador de um gene de susceptibilidade para a surdez.
É preferível ser-se ouvinte ou surdo? Um ser humano “normal” é apenas aquele que goza de plena capacidade auditiva’? A normalidade passa por apresentarmos todos iguais características físicas e intelectuais?
A quem incumbe definir o que é normal? Quais os critérios subjacentes a esse juízo?
Nas próximas linhas analisaremos, nas suas linhas gerais, o estatuto atribuído à Pessoa Surda4 pela ordem jurídica portuguesa – quer à Pessoa Surda na perspectiva de “pessoa com deficiência”, quer à
Pessoa Surda como “pessoa pertencente a uma minoria linguística ou cultural”.